O chefe de Estado angolano João Lourenço, negou hoje, em Luanda, estar a proteger o antigo vice-presidente Manuel Vicente, e sublinhou que, caso necessite, cabe à justiça pedir o levantamento da imunidade parlamentar do ex-governante à Assembleia Nacional.
João Lourenço respondia à questão se estava a proteger o agora deputado, envolvido num processo que está, supostamente, a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), acusado de alegados crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e de falsificação de documentos, e que foi enviado a partir da justiça portuguesa.
“O senhor afirma que eu protejo o engenheiro Manuel Vicente. Vai ter de explicar bem isso, o que entende por protecção. O engenheiro Manuel Vicente não é membro do Executivo, não é ministro”, afirmou João Lourenço, comparando o caso com o do ex-secretário de Estado dos Assuntos Económicos do Presidente da República, Carlos Panzo, exonerado em Julho deste ano, com base numa denúncia das autoridades suíças feita em Outubro de 2017.
“A situação do doutor [Carlos] Panzo [é diferente, porque] na altura em que recebemos a notificação das autoridades judiciais da Federação Suíça, era membro do Governo. Nessa altura, o engenheiro Manuel Vicente não era membro do Executivo, não era vice-presidente, não era ministro de Estado, não era ministro, portanto, fica difícil entender o que o senhor quer dizer com dar protecção ao engenheiro Manuel Vicente”, respondeu o Presidente angolano, durante uma conferência de imprensa realizada esta manhã.
Para João Lourenço, em relação a um “não membro do Governo”, quem solicita o levantamento das imunidades junto do Parlamento “não pode ser o Executivo”.
“Estamos a falar de poderes diferentes. Quem solicita são os órgãos de justiça que, se quiserem dar continuidade a um determinado processo e se vêem impedidos de o fazer porque a pessoa visada está protegida por imunidades, sendo deputado, são quem solicitam o levantamento das imunidades directamente ao Parlamento, não passam pelo Executivo”, explicou.
“O titular do poder executivo não tem sequer de saber. Mesmo que saiba não vai fazer nada. Não é minha competência. É um deputado e se a justiça entende que, para prosseguir com a sua acção, enquanto órgão de justiça, importa que sejam levantadas as imunidades de um determinado deputado, solicita o levantamento das mesmas directamente à Assembleia Nacional”, referiu.
Contactada frequentes vezes nos últimos meses pela agência Lusa em Luanda, a PGR angolana indicou que continua a analisar o processo remetido pela justiça portuguesa envolvendo o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, cujo acórdão final da Operação Fizz foi apresentado a 7 deste mês em Portugal.
“O processo está em análise, está em estudo, tem um número elevado de peças, é quase da minha altura, eu tenho 1,74 metros, mas estamos a trabalhar nele”, explicou à Lusa fonte da PGR.
Segundo o acórdão em Portugal, o procurador português Orlando Figueira, um dos principais visados, foi condenado a seis anos e oito meses de prisão efectiva pelo Tribunal Criminal de Lisboa por ter sido subornado pelo ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente, no âmbito do processo Fizz.
Em Junho deste ano, a justiça portuguesa remeteu para Angola, após decisão um mês antes, do Tribunal da Relação de Lisboa, o processo que envolve Manuel Vicente, para julgamento em Luanda, pondo termo a um caso que causou mal-estar nas relações entre os dois países, por vários meses, este ano.
A Operação Fizz assenta na acusação de que Manuel Vicente (enquanto Presidente da Conselho de Administração da Sonangol) corrompeu Orlando Figueira, com o pagamento de 760 mil euros, para que este arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado, um deles o caso da empresa Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril em 2008.
Separação de poderes? O que é isso?
A propósito da separação de poderes em Angola, e como se já não bastasse termos governantes, políticos e generais a querer entrar para o anedotário mundial, recorde-se que em 3 de Março de 2017 o então presidente do Tribunal Supremo de Angola, Manuel Aragão, também apresentou a sua candidatura.
Vejamos a anedota: “Há uma efectiva separação de poderes no país, entre poder político e os tribunais”.
“Os que dizem que não existe, cabe a eles provarem. Se calhar não estão em condições de nos dar lições, a julgar pelos exemplos”, apontou Manuel Aragão, em declarações aos jornalistas à margem da cerimónia de abertura do Ano Judicial 2017.
Insistindo na efectiva separação de poderes em Angola, o presidente do Tribunal Supremo angolano recordou: “Somos todos representantes de um poder único, que é o Estado. A soberania é do povo”.
A reacção do então Presidente do Tribunal Supremo (escolhido por José Eduardo dos Santos), sem destinatário especificado na declaração, surgiu no entanto uma semana depois de a diplomacia angolana ter criticado fortemente as autoridades portugueses, pela forma “inamistosa e despropositada” como foi divulgada a acusação de corrupção do Ministério Público a Manuel Vicente.
Certamente que este esclarecimento de Manuel Aragão não se destinou aos países mais democráticos do mundo com os quais o regime do MPLA se identifica na plenitude (agora mais na sombra), como são os casos da Guiné Equatorial e da Coreia do Norte.
Numa nota do Ministério das Relações Exteriores de 24 de Fevereiro de 2017, o Governo protestou veementemente contra as acusações, “cujo aproveitamento tem sido feito por forças interessadas em perturbar ou mesmo destruir as relações amistosas existentes entre os dois Estados”.
Timidamente o Governo português limitou-se a, oficialmente, recordar o “princípio da separação de poderes” que vigora em Portugal, onde as autoridades judiciárias actuam com “total independência” face ao executivo.
No documento do ministério angolano, refere-se que as autoridades angolanas tomaram conhecimento “com bastante preocupação, através dos órgãos de comunicação social portugueses”, da acusação do Ministério Público português “por supostos factos criminais imputados ao senhor engenheiro Manuel Vicente”.
Para o Governo de Luanda, a forma (pelos vistos o conteúdo é o que menos importa) como foi veiculada a notícia constitui um “sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados”.
“Não deixa de ser evidente que, sempre que estas relações estabilizam e alcançam novos patamares, se criem pseudo factos prejudiciais aos verdadeiros interesses dos dois países, atingindo a soberania de Angola ou altas entidades do país por calúnia ou difamação”, sublinhava a nota da diplomacia angolana.
Folha 8 com Lusa